Sorria, as fardas dos policiais militares estão te filmando

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Sorria, as fardas dos policiais militares estão te filmando

Desde janeiro alguns PMs usam em seus uniformes câmeras que podem ser ligadas e desligadas quando quiserem. O que isso representa?

Em janeiro, a Polícia Militar do Estado de São Paulo investiu R$ 271 mil em câmeras que foram acopladas às fardas e viaturas para a filmagem de ocorrências. Por enquanto, elas estão distribuídas em caráter de teste pela região central da capital paulista, e também entre a Polícia Ambiental, de Trânsito e de Choque. A ideia, informa a Secretaria de Segurança Pública do Estado, é que o sistema seja expandido ao serviço operacional de toda a corporação em um futuro próximo.

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O Centro de Processamento de Dados (CPD) da polícia levou dois anos para estudar e testar o projeto-piloto. "Os objetivos são, obviamente, a transparência institucional e a proteção aos policiais militares", diz o major Emerson Massera, porta-voz da PM.

Ainda que tenha sido apresentada com objetivos nobres, a tecnologia deixou muita gente desconfiada com a informação de que o policial poderia desligar a câmera quando bem entendesse. Para os críticos, a seletividade das imagens por parte do oficial seria um modo eficaz das autoridades manipularem provas e situações.

Em resposta, Massera afirma que o recurso se deve apenas à necessidade de privacidade do policial. "É óbvio que ele tem de poder desligar a câmera, afinal, ele precisa se alimentar, ir ao banheiro, entre outras atividades que não precisam ser filmadas", diz. "Em caso de uma alegação contra o policial, a inexistência de imagens, descumprindo as determinações, demandará explicação."

Câmera testada nas fardas de alguns PMs desde janeiro. Crédito: Divulgação

O major da PM afirma que a corporação ainda não pode falar sobre resultados, já que o projeto foi iniciado há pouco mais de um mês. Por outros lugares do mundo que adotaram a tecnologia, porém, já é possível ter algumas pistas de seus efeitos. O canadense Robert Muggah, diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, organização que se dedica a propor soluções para questões de segurança pública, justiça e desenvolvimento, aponta que as câmeras acopladas às fardas de policiais têm se tornado populares na América do Norte e na Europa Ocidental. "Há evidências positivas nos locais em que foram implementadas, como a redução da violência policial e queixas de cidadãos", falou ao Motherboard.

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Muggah relata que o Igarapé e a Jigsaw, encubadora de projetos criada pelo Google, tem trabalhado juntos no aplicativo CopCast, em teste na Polícia Militar do Rio de Janeiro e de Santa Catarina. É uma espécie de gerenciador e de operações policiais. Pelo telefone, policiais podem registrar ocorrência, filmar e marcar pontos no mapa. "Diferentemente de outros projetos-pilotos, que usam hardwares fornecidos por empresas privadas como a Taser, o nosso software tem código aberto e é executado em smartphones. Transformamos os telefones dos policiais em câmeras, aproveitando também as funções de áudio e GPS."

Para Muggah, não basta problematizar a questão do policial paulistano poder ligar e desligar a própria câmera quando bem entender, mas também pensar qual tipo de incentivo ele tem para respeitar essa nova tecnologia. No Rio e em Santa Catarina, essa questão nem existe, já que as câmeras ficam obrigatoriamente ligadas o tempo todo. "Com a ordem de um supervisor, podemos também fazer live streaming."

O celular funciona como ferramenta básica para a Witness, organização internacional atuante no Brasil, que ajuda cidadãos e ativistas a filmar situações de abuso dos direitos humanos. Para Victor de Souza, cineasta e um de seus consultores, o projeto recém-implantado em São Paulo está alinhado com a tendência mundial de humanizar a polícia militar "com a aparência de que sua conduta está sendo monitorada e melhorada", mas que em outros países, se mostrou "sem efeito". Souza acredita que o problema está na falta de disponibilização desse material para o cidadão. "Como o New York Police Department, que tem um histórico vasto de negação do acesso aos vídeos", justifica. "Uma vigilância que parta do próprio agente violador de direitos será sempre recebida com desconfiança pela sociedade."

Ele ressalta também o longo histórico de ocultação e negligência se tratando da Polícia Militar de São Paulo e no país. "A cultura de ocultação e montagem de provas inexistentes no Brasil é vasta. E acreditar que a tecnologia vai salvar a polícia e resolver esse problema é uma narrativa mais de convencimento do que de eficiência", presume. Para o cineasta, é necessário analisar quais instrumentos legais serão possíveis para assegurar que o acesso às imagens seja amplo e irrestrito. "A própria Lei de Acesso à Informação não tem sido suficiente para coletar informações públicas solicitadas à polícia de São Paulo no que se refere, por exemplo, aos usos de armamentos não letais em manifestações, como os que foram feitos por diversas organizações entre 2013 e 2015."

Para Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a iniciativa do projeto-piloto é interessante pois "pode ter resultados promissores na melhoria da relação de confiança entre polícia e comunidade". Sociólogo com pós-doutorado pela Unicamp (Universidade de Campinas) e professor na FGV (Fundação Getúlio Vargas), ele sugere que é necessário pensar maneiras de regularizar as gravações. "Para obter êxito, precisamos que as imagens não sejam editáveis ou que o policial possa escolher o momento em que gravará ou não. Se ele necessitar ir ao banheiro, por exemplo, o desligamento pode ser solicitado para o COPOM (Centro de Operações da Polícia Militar) e qualquer eventual ato que ocorra neste período será investigado obrigatoriamente."