Opinião

O nome da guerra

Não há dúvida de que a violência no Rio chegou a níveis de conflito armado

Assim como quase todos os indicadores de violência, o número de pessoas mortas pela polícia cresceu ao menos 70% em 2017, em comparação com o mesmo período no ano passado. Há uma triste sensação de que o Rio entrou em guerra. Muitos políticos, policiais e lideranças da sociedade civil usam o termo abertamente, seja como metáfora da matança que assola a cidade ou com intenções políticas, para sinalizar a intensidade e o grau de organização dessa batalha.

Não há dúvida de que a violência no Rio chegou a níveis de conflito armado. Ao menos 6.248 pessoas foram assassinadas em 2016, uma taxa de 37 homicídios por cem mil habitantes. A Polícia Militar esteve envolvida na morte de 920 pessoas, e dezenas de policiais perderam suas vidas. Não raro, hospitais de áreas densamente povoadas param de funcionar, deixando de atender a vidas que poderiam ser salvas. As consequências humanitárias são graves.

Embora seja tentador recorrer ao termo “guerra”, seu uso tem implicações legais, inscritas no Direito Internacional Humanitário (DIH), que estabelece critérios para determinar condutas permitidas ou não em conflitos armados internacionais e civis. A doutrina, que surgiu no século passado para caracterizar conflitos “clássicos” entre países, não situações como a do Rio de Janeiro, não pretende evitar guerras, mas diminuir o sofrimento humano.

Aplicar os princípios do DIH a “outras situações de violência” como a do Rio pode influenciar a resposta do governo, podendo implicar uma reação militarizada e até o emprego das Forças armadas. Pode também significar a introdução de um estado de emergência e a suspensão de liberdades civis. A medida pode ainda ser contestada pelo governo que achar que isso passa por cima de sua soberania.

Em qualquer conflito armado, todas as partes têm obrigação de proteger a população civil. A violação dessas normas tem consequências. A morte deliberada de inocentes, a tortura e o tratamento desumano, incluindo o confinamento forçado, além da destruição e da apropriação injustificada de propriedade, são considerados crimes contra a humanidade, ou crimes de guerra. Em casos extremos, podem resultar em ações no Tribunal Penal Internacional e, no mínimo, exigem sanções internas.

O cenário é de crise na segurança pública do estado, mas a população não precisa sofrer mais do que já está sofrendo. Ainda que não seja prudente declarar formalmente um estado de guerra, o DIH possui ideias práticas para minimizar o custo humano da violência, que podem ser aplicadas aqui. Por exemplo, de que todos — feridos, cercados ou detidos — “devem ser tratados com humanidade em qualquer circunstância, sem distinção de raça, cor, religião, fé, sexo, origem de nascimento, condição financeira ou qualquer outro critério” e de que é proibido alvejar escolas, hospitais e postos de saúde, garantias fundamentais para as crianças.

Não se trata de minúcias jurídicas, mas de diminuir o sofrimento cotidiano na nossa cidade.

Robert Muggah é diretor de pesquisa do Instituto Igarapé